Por Hely Beltrão
Sem dúvida a FLIFS (Festival Literário e Cultural de Feira de Santana), que este ano ocorre do dia 27/08 a 01/09 é um dos eventos mais aguardados pelo público feirense, se você gosta de livros, com certeza não perderá a oportunidade de ver escritores famosos marcando presença neste Festival.
Este ano, no primeiro dia do evento, tivemos a presença da professora, empresária e escritora, a Dra. Bárbara Carine, autora do livro "Como ser um Educador Antirracista". No dia 5 de novembro, ela estará novamente em Feira de Santana no Teatro do Centro de Cultura e Arte Amélio Amorim (CCAAA), no primeiro Afro Conecta, abrindo o as comemorações do mês da Consciência Negra.
Ao Conectado News, a escritora comentou sobre a importância de termos pessoas negras ocupando espaços de poder e no sentimento de união entre educadores para uma educação mais inclusiva para o povo negro.
"Penso primeiro, na criação de uma referência positiva para a juventude, para os estudantes presentes, porque isso é sobre representatividade, quando vemos algo que foi inacessível para mim enquanto estudante, não acessei literatura negra até meu doutorado, quando vemos uma intelectual, escritora, professora e doutora negra, isso cria uma referência, uma possibilidade de vir a ser, eu posso estar nesse lugar, isso para mim é algo muito rico, como também dialogar com os pares, com outros educadores e educadoras, tanto no processo de conscientização, formação de desenvolvimento do letramento, mas também no sentido de aquilombamento, profissionais do ensino que muitas vezes se sentem solitários nos seus contextos, isolados tentando a qualquer custo construir uma educação afro referenciada, que seja disruptiva com esse marco eurocêntrico e que muitas vezes não encontra ressonância nos colegas, em um espaço como esse, quando estou falando e vejo o semblante de educadores, professores e pesquisadores, entendendo: “não sou uma pessoa perdida, eu não estou louca, tem sentido nisso que produzo, estou caminhando junto com o coletivo de educadores, que buscam uma emancipação e no sentido da construção de uma sociedade mais equânime”. Fico muito feliz que a FLIFS tenha trazido uma matemática voltada para as narrativas e histórias de mulheres negras, que nessas histórias de mulheres negras não esteja apenas no âmago da dor e da superação, estamos falando de intelectualidade, educação emancipatória, de outras formas de existir, de ser negro no mundo e de se colocar como negro no mundo, de potencialidades, narrativas negras a partir também de premissas de potencialização, não só de quem somos, mas de quem nos acompanha, parabenizo muito a FLIFS por esse momento. A mesa foi incrível, um diálogo muito tranquilo, conduzido de modo brilhante, me deixou muito à vontade, amo estar em mesas com mulheres porque os processos de interrupção não são tão constantes, a mediadora soube conduzir bem, trazer questionamentos sobre a minha própria narrativa e a vinculação com a literatura, questionamentos mais voltados para minha temática fundamental da educação antirracista, pensando nas literaturas negras, porque são pouco acessadas, tivemos um papo profundo e leve, prezo muito por isso, porque entendo que a leveza ao abordar e tratar assuntos tão densos como o racismo, pesados historicamente, é uma estratégia de saúde mental para comunidade negra, é muito importante, entendo o primeiro dia da FLIFS como um contexto muito comemorativo sobre tudo, entendo que trouxemos denúncias, mas sobretudo, anúncios de um tempo em que mulheres negras não estão apenas nas cozinhas, limpando chão da casa das pessoas, mas que pegam um microfone e assumem um lugar de protagonismo em uma feira literária".
Situação da educação antirracista no Brasil
"Já fui muito pessimista, não dá para negar que os casos de racismo hoje são muito constantes em nosso país e às vezes nos confundimos, ao longo de 2024 por exemplo, a mídia me procurou para falar de um caso de racismo que pensava ser do dia anterior, mas, pela designação do território, era de outro local, casos parecidos, com xingamentos muito próximos, posturas de isenção das escolas, com notas de “não tenho envolvimento” muito próximas, tem um “modus operandi” (modo de operação ou atuação) muito próximo das tratativas escolares em torno dos casos de racismo, mas penso que vai para além do racismo, mas para a estrutura de enfrentamento, as escolas precisam pensar essas estruturas em termos do seu currículo. Que negro promovemos? Que visão imagética de negro de indígena promovemos com o nosso currículo? Que noções historiográficas socializamos a partir desse currículo, quais literaturas temos aqui na escola, na biblioteca? Quem são esses educadores que formam? Qual a estética desses educadores? Como está a estrutura hierárquica da escola? Quais são as pessoas que ocupam espaços de poder da escola, de direção, coordenação, supervisão pedagógica, gestão? As pessoas que ocupam espaços subalternizados socialmente, a limpeza, serviços gerais? Qual a cor dessas pessoas? Porque tudo isso informa sobre a perspectiva de mundo que adotamos, tudo isso temos para caminhar atualmente, mas acredito que as políticas públicas, que na verdade retiramos do governo e o contexto político favorável as ações afirmativas, porque é um fruto das conquistas dos movimentos sociais negros organizados, conquistas de uma luta secular, temos leis, que não pode ser apenas “para inglês ver”, infelizmente temos que supervisionar, muitas vezes nós que fazemos a denúncia para o Ministério Público (MP), fiscalizamos e cria dentro dos movimentos a necessidade da criação dos comitês de heteroidentificação para eliminar fraudes dos contextos dos acessos dos vestibulares e das instituições de ensino que tem vestibular, como os institutos federais. Temos caminhado, diria que tenho um otimismo desse movimento que temos feito, apesar das dificuldades que ainda enfrentamos, não dá para dizer que a escola hoje é a mesma de 10 ou 20 anos atrás, atualmente, se não tem um senso pelo menos coletivo no sentido do anti-racismo, temos o politicamente correto, de pessoas que entendem que, por mais que pensam coisas muito ruins sobre pessoas negras, entendem que haverá uma repercussão minimamente social de desaprovação dessas práticas, isso está posto, além de ser crime, conquistou esse lugar de crime para a sociedade e óbvio que isso está posto também para o interior da escola, uma criança ou adolescente não sairá de lá preso como criminosos, mas, o código de conduta ética a escola precisa ter para entender tanto o que ela faz com esse jovem que comete racismo no interior da instituição, quanto para ela não apenas culpabilizar o jovem no sentido patológico do racismo, como se fosse um problema dele, mas sim da sociedade. O que a escola faz, no que se refere a literatura e repertório curricular? Em suma, acredito que tivemos um grande avanço, apesar de ainda termos um longo caminho para percorrer", concluiu.
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