Luiz Caldas, Daniela Mercury e Carlinhos Brown. O que esses grande nomes da música baiana tem em comum? Marcionílio Prado. Em mais uma entrevista especial sobre o Carnaval 2023, Marcionílio conta aos leitores do Conectado News toda a sua trajetória musical desde a infância, sua relação com grandes nomes da Axé Music e claro, em nosso podcast, mostra todo o seu talento cantando grandes sucessos.
"Viva Luiz Caldas e Wesley Rangel, a pessoa que tinha os estúdios e que possibilitou a nós músicos ter acesso a equipamentos de gravação, em Salvador ainda não existia, o primeiro estúdio de Salvador se chamava WR e foi quem produziu toda essa onda do Axé, Chiclete com Banana, Sara, Durval Lelis, a história é muito linda até os dias de hoje".
Marcionílio conta sobre o seu início de carreira, incentivado por seus pais, que já eram músicos.
"Foi uma adolescência maravilhosa, junto com outros artistas, tive o privilégio de morar num bairro que se tornou musical e muita gente conhecida foi morar no bairro onde eu nasci, a exemplo da família Caldas inteira, cantores como Zé Paulo e Norberto. Tive acesso no meu bairro sem precisar sair, ao que tinha de melhor no Brasil naquele momento, porque a comunidade se reuniu e construiu um barraco de madeira as margens do rio, terreno emprestado e isso deu certo na época, em 1975, o Clube da Mangabinha, bairro de Itabuna onde nasci, foi algo impressionante porque era um bairro periférico, próximo do centro, pequeno e o clube de madeira inicialmente não era clube, mas um lugar onde as famílias pudessem se encontrar nos finais de semana para jogar um bingo, carta, interagir, ter um lugar de lazer e se tornou um dos points do Brasil, tudo que estava fazendo sucesso tocou na Mangabinha na década de 70, creio que esse lugar é uma das vertentes da Axé Music, isso é pouco falado, Luiz Caldas, Zé Paulo e Norberto não falam, mas essa parte da história foi maravilhosa, foi assim que comecei em Itabuna com esses caras, eu já tinha muito amor pela música, meus pais já cantavam, tiveram que dar um tempo na música porque a família começou a crescer e naquele momento o dinheiro da música não foi suficiente para bancar a família e meu pai teve que buscar outras alternativas, conseguiu estudar e se aposentou como funcionário público, minha mãe é doméstica, foi cantora na década de 50, com 16 anos, já era conhecida nacionalmente, cantava em grandes rádios de São Paulo e Rio de Janeiro, Neide Prado, a morena dos olhos verdes, assim era conhecida a época de Ângela Maria. Aconteceu que minha mãe teve que retornar, porque estava sendo assediada, por ser muito linda, era muito nova e não deu certo para aquele momento, final da década de 50 era mais difícil para mulher se manter. Ela retornou para a Bahia, conheceu meu pai, formaram família, tivemos que lutar contra o racismo, algo que não podia se falar à época, meu pai negão e ela linda, maravilhosa, ali na região do cacau, onde os coronéis achavam que podiam comprar tudo com dinheiro, inclusive minha mãe também, mas não foi bem assim, o amor foi maior que tudo, meu pai não tinha um conto no bolso, mas tinha muito amor por minha mãe e foi isso que juntou os dois", contou.
CN - Como os músicos e o público receberam sua música?
Marcionílio Prado - Inicialmente me diziam: você precisa sair do bairro, porque você é muito bom, a cidade precisa saber que você existe. A música começou a me levar para outros espaços na cidade, outros clubes de classe média e fiquei conhecido na cidade. A cidade começou a falar para mim: você precisa ir para uma capital, um grande centro, para que as pessoas saibam do seu talento e em uma dessas bandas que tocava no meu bairro, que se chamava Brazilian Beats, do Rio de Janeiro, estava fazendo muito sucesso a época, tocando muito nas rádios, convidaram a mim e a Luiz Caldas para trabalhar com eles, o Luiz estava com projeto mais ou menos engatilhado, o Acordes Verdes no início da carreira dele em Salvador e disse que não ia, mas eu fui. Fiz uma temporada excelente durante meses no eixo Rio - São Paulo - Minas Gerais foi uma experiência maravilhosa, um equipamento dos sonhos, espetacular, tinham ônibus, uma boa estrutura, me deram condição de viver bem no Rio de Janeiro, em um lugar tranquilo e pude aprender muito, passei a ser conhecido como baianinho polivalente, porque tocava todos os instrumentos, na época estava bastante focado nisso, porque era meu objetivo aprender, tinha muita vontade. Depois dessa temporada no Rio, Orlando Tapajós me convidou para fazer parte do trio elétrico Tapajós e eu voltei para a Bahia, tocamos em todo interior, inclusive Feira de Santana, em 1984 comecei a tocar nas Micaretas de Feira e outras que aconteciam no interior da Bahia, o Tapajós era o trio que mais tocava em Micaretas, porque a demanda era grande, às vezes tínhamos que fazer Tapajós 1, dois, três para poder atender a todos, porque sempre tinha os melhores músicos, o Tapajós tinha essa tradição, isso agora não existe mais, o Tapajós sempre manteve o nível de qualidade e glória a Deus, agradeço o privilégio de ter passado dois anos no Tapajós. Nisso, a Banda Eva soube sobre mim, através do percussionista Tony Mola, parceiro de Carlinhos Brown. Aceitei a proposta do EVA de trabalhar na capital, como Tapajós estava fazendo tudo no interior, mercado que o EVA tinha interesse e onde eu já era conhecido, foi uma troca, eu queria ser mais conhecido na capital e Eva no interior. Deu certo, em 1986, conseguimos faturar todos os prêmios possíveis, eu como melhor cantor e cantor revelação, o Eva tinha uma banda incrível, Carlinhos Brown e Tony Mola tocavam com a Banda Eva, quando não tinha show de Luiz Caldas eles podiam tocar conosco, no primeiro ano depois do Carnaval de 86, comecei a andar por Salvador e vi uma menina cantando num barzinho na Pituba, que era onde acontecia a noite em Salvador, os bares, música ao vivo e aí conheci uma menina num desses bares e a forma que ela cantava me lembrava Meg Evans que cantava comigo no Tapajós, ela é de Feira de Santana, Margarete Evans era uma das cantoras mais espetaculares que já ouvi. Comentei com o pessoal do Eva que tinha ouvido essa menina no bar da Pituba e o pessoal me perguntou se eu achava que uma cantora de barzinho daria certo no EVA. Eu disse que não via muita diferença, expliquei para eles que a cantora que estava comigo no Tapajós cantava aquele repertório no trio elétrico e que algumas músicas eu a escutei cantando no barzinho, duas semanas depois e ninguém me disse nada, essa menina que se chama Daniela Mercury estava no Eva fazendo um back vocal para mim, durante um bom tempo trabalhamos juntos. A qualidade dos músicos sustenta muito uma estrutura musical.
Marcionílio conta uma situação de racismo que enfrentou durante sua carreira, inclusive uma situação que o motivou a compor a música Táxi, em parceria com Carlinhos Brown.
"A música foi abrindo caminhos para mim, a música táxi do Carlinhos Brown, na época passou em branco, mas hoje sei porque gravei. Para se ter uma ideia, tinha dificuldades de pegar um táxi na rodoviária de Salvador, temos um horário que sai de Itabuna, às 23:45 e chega as 6 da manhã em Salvador, você pega o ônibus, dá para dormir à noite e chega e cumpre os seus afazeres, mas estávamos sempre tocando todas as semanas, viajava a noite inteira de Itabuna para Salvador no ônibus e para pegar um táxi na rodoviária de Salvador era um sacrifício, porque um jogava para o outro, me julgavam pela aparência, era jogado de um lado para outro como uma peteca. Luiz Caldas tinha um cabelo com sete cores, hoje rimos, mas é o que podemos fazer, não dá para se revoltar, rebelar, isso é um sistema, para mudar isso tem que acontecer uma revolução.
Confira na íntegra em nosso podcast.
Reportagem: Luiz Santos e Hely Beltrão
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